Gostaria que vocês imaginassem um pequeno lago... Dentro desse
lago, há um tufo de grama. Nesse tufo de grama, num ramo fino como uma lâmina,
há um casulo.
Numa manhã, apareceu um buraquinho no casulo. Ele foi crescendo,
crescendo, ficando maior, até que, de dentro, saiu um braço; e, depois, outro;
uma perna e, depois, uma outra; logo-logo, saiu uma cabecinha muito bonita com
dois olhos grandes e redondos.
Ainda saíram duas lindas e translúcidas asas.
Agora, no raminho de grama, havia uma libélula. A libélula olhou e viu, pela
primeira vez, o céu azul, o branco das nuvens, o verde da grama e a cor das
flores, a altura das árvores... Estava feliz. Começou a testar suas asas e viu
que podia voar alto. O primeiro era um vôo ao topo de uma árvore. Depois
descobriu que podia voar em direção ao sol e, relaxadamente, passou por uma
nuvem e fez acrobacias no ar. Mais tarde mergulhou numa poça d’água, mexendo um
pouquinho com as asas. Estava feliz...
A libélula, já mais segura de si, gostaria de ir um pouco mais
longe! Voou e voou até chegar numa casa. Voou ao redor da casa. Bem atrás,
havia uma janela aberta, e, por curiosidade, resolveu voar para dentro desse
lugar: viu panelas e panelas brilhando em prateleiras...
Descobriu que estava numa
cozinha. Mas não sabia que o cozinheiro, nesse dia, estava preparando um
banquete. Ela queria ver tudo em detalhes: voou para o alto e olhou lá de cima.
Viu uma mesa onde havia um pote bem redondo, cheio de uma guloseima que não
conhecia: “Oh! Nuvens brancas”, pensou. “Há nuvens lá em cima e aqui também.”A
libélula quis mergulhar nas nuvens... Tomou distância, mirou o alvo e... se
jogou naquela “nuvem branca”. Ploft!
Foi quando descobriu que aquilo não era uma nuvem, mas algo muito
grudento: um creme muito pesado para suas asas, impedindo-a de se movimentar...
Quanto mais tentava se erguer, mais tentava, mais se afundava.A libélula
começou a rezar:— Oh, Deus de todas as criaturas voadoras... por favor, me ajude;
eu não sabia que isso era tão grudento... Por favor, me tire daqui... Se você
fizer isso, prometo que, imediatamente, passarei a ajudar todas as criaturas
voadoras, especialmente as que estiverem em dificuldades. Vou me dedicar
totalmente a nobres causas. Por favor, me ajude!Nesse momento, o cozinheiro
começou a escutar uns cochichos, mas não sabia que era uma libélula rezando...
Olhou para a mesa, se dirigindo até ela. Olhou dentro do pote: — Esse inseto
horrível... essa libélula horrorosa dentro do creme, contaminando meu delicioso
tempero?!, reagiu indignado.Rapidamente pegou-a com os dois dedos, chegou até a
janela e... jogou-a na grama, lá fora.— Saia daqui e não volte, disse com
raiva.
Feliz, a libélula tentou de novo voar. Ao bater as asas, pesadas
de creme, caiu na grama. Assim tentou tirá-lo primeiro de suas patas de trás,
de frente... e, finalmente, de todo o seu corpo. Deitou na grama e notou que o
dia estava lindo. O sol estava brilhante, quente! A brisa secava-lhe o
corpo...“Ah! Acho que hoje vou tirar uma boa soneca; depois dessas
experiências, mereço mesmo descansar um pouco.
Amanhã de manhã vou
começar, conforme prometi, a ajudar as criaturas voadoras e a dedicar minha
vida a causas nobres. Hoje, vou ficar aqui quietinha. Afinal, um dia a mais...
uma dia a menos... não fará tanta diferença”, pensou alto.Assim, a libélula
adormeceu...Mas o que ela não sabia é que uma libélula somente vive por um
dia...É por isso que as pessoas dizem: — Você não pode deixar para amanhã o que
deve fazer hoje.
Contado por Inno Sorcy no Festival de Inverno, Ouro Preto, 1997.
Tradução ao vivo de Cecília Caram. Transcrição da fita de vídeo: Iracy Mundim.