quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

O insistente

Tem coisa que até Deus duvida. Você sabia que já houve tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça? Que criança nascia de olho fechado? E que nas primeiras décadas do século passado, em Belo Horizonte, a proporção era de onze para cada mulher?
Foi nesse tempo em que se passou a história que vou contar.

Com tamanha concorrência, a situação do Cláudio Augusto era terrível. Os anos avançando e como dizia o povo do interior: “Eta home cheio de fartura! Farta beleza, farta riqueza, farta um emprego e para piorar farta ter nascido em berço de nome!”
Acontece que ficar solteiro não fazia – de jeito nenhum – parte dos planos de Cláudio Augusto. Ainda mais que ele era um homem apaixonado.
Dias e noites, passava planejando o que fazer para conquistar Fatinha, a graciosa professorinha.
Disseram a Cláudio Augusto que a serenata era uma forte arma, mas como tinha voz de taquara rachada, resolveu convidar um grupo de seresteiros. Para arrasar, levou até um piano que foi em cima de um carro de boi. Naquela noite fazia um frio de trincar os ossos. Mas ninguém arredava o pé da frente da casa da moça.
E dá-lhe cantoria. A hora passava, o frio aumentava e Cláudio Augusto firme, na esperança da moça chegar até a janela, ou pelo menos acender a luz. Naquela altura do campeonato, o vento gelado uivava, parecia que as árvores seriam arrancadas com raízes e tudo. Os músicos já se entreolhavam com expressão de desânimo. Foi quando até mesmo o apaixonado do Cláudio Augusto já ia desistindo, uma luz se acende, a janela se abre e quem aparece? O irmão caçula da moça com um sorrizinho matreiro e diz:
-Fatinha viajou e só volta daqui uns quinze dias.
Cláudio Augusto engole seco e pergunta:
-Por que só agora você avisa?

E o outro:
-Uai, sô. Pensei que vocês só estivessem ensaiando...
Porém. Cláudio Augusto era um homem apaixonado e desistir de sua bem amada, nem pensar. Ao retornar da viagem, a moça teve uma surpresa. O rapaz arrumouuma vitrola portátil, mas no caminho, a “bolacha”, nome dado aos discos daquele tempo, arranhou. Na hora da música ficou assim:
-Amo-te mu...mu...muuuu...
Daí a pouco, o tal do irmão caçula grita:
-Solta o boi e deixa a gente dormir!
Depois de tudo isso você pensa que o Cláudio Augusto desistiu? De jeito nenhum. Afinal, ele era um homem apaixonado. Por isso teve a feliz idéia de comprar um livro cheio de modelos de cartas de amor. E todo santo dia mandava uma carta para sua amada.
Como diz minha mãe: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Finalmente o rapaz foi convidado para um jantar na casa da moça.
Cláudio Augusto nem se cabia de tamanha alegria. Mas quando ele estava indo para a casa da sua bem amada, lembrou-se das flores. O problema é que a floricultura estava fechada. O roseiral de D. Gertrudes logo lhe veio à cabeça. Só que a velha era uma muquirana! O jeito foi “desapertar a situação”, trocando em miúdos, roubar algumas flores. O plano era simples:
1.Pular o muro/2. Pegar as flores/3. Pular o muro de volta.
Quando o Cláudio Augusto estava na etapa 3 do plano, D. Gertrudes viu e jogou praga:

-Tomara que quebra uma perna!
Não é que o rapaz tropeçou e quebrou um dente?
Você por acaso acha que o moço desistiu de ir à casa da Fatinha? Nem se a porca torcesse o rabo. Afinal ele era um homem apaixonado.
A solução foi disfarçar o dente quebrado com um lenço na boca, fingindo gripe. De vez em quando dava uma tossidinha seca para dar autenticidade ao resfriado.
Mas o tal irmão caçula viu sangue no lenço do rapaz e espalhou que Cláudio Augusto estava tuberculoso. E tuberculose era doença discriminadíssima naquela época. Sem saber de nada e percebendo que Fatinha estava enamorada dele, Cláudio Augusto pediu permissão para namorar a moça.
Para sua desilusão, o pedido foi negado.
Os olhos do rapaz ficaram embaçados. O tal do caçulinha não perdeu a oportunidade:

–Está chorando?
E o Cláudio:
–Não, só estou gripado.
E o irmãozinho:
–Não sei o porquê, mas parece que você está chorando.
Cláudio Augusto não suportou e torceu o polegar da sua própria mão direita. Foi embora com dor de dente, dor de dedo e com a pior das dores, a dor do coração.
Mas, como dizem os sábios : “ o que é do homem o bicho não come”. O mal entendido foi desfeito, Cláudio Augusto e Fatinha se casaram no dia de Santo Antônio e tiveram tantos filhos quanto as tentativas de conquistas de amor do rapaz.
Você deve estar se perguntando como eu sei tudo isso...
Ora, eu sou a prova viva de um dos frutos desse amor!
( Sandra Lane – História vencedora do 2º lugar do Concurso de Contos da Tradição Oral/ Uma história para contar- Promoção Conto Sete Em Ponto)