Vendeu sua terrinha, deu seu cachorro e o papagaio à comadre, juntou os nove filhos e resolveu ir para os lados de Minas Gerais, onda morava uma irmã sua.
Antes de tomar o trem, era preciso caminhar um longo trecho, mais longo ainda porque cada um carregava sua pesada trouxa. Dona Durvalina, à frente, levava também um cesto, com a pata Dedé. Não quis desfazer-se da ave, porque um ovo por dia estaria sempre garantido.
Quatro quilômetros depois, viram a estação. Faltava ainda meia hora para o trem partir, mas os poucos passageiros já começavam a embarcar. Contente, a mulher encaminhou-se para o lugar onde se vendiam as passagens. Assim que entrou, viu, bem sobre o guichê, uma grande placa onde estava escrito, em vistosas letras vermelhas: É PROIBIDO VIAJAR COM ANIMAIS.
E agora? Que fazer? Abandonar a pata Dedé? Nunca! Dona Durvalina pôs a tampa no cesto, fechou-o muito bem e foi em frente.
___ Dez passagens, por favor! ___ disse ao vendedor de bilhetes.
___ Quem! Quem! ___ fez Dedé dentro do cesto.
___ Como? ___ perguntou o homem.
___ Quero dez bilhetes. Quanto é?
___ Quem!
___ São duzentos cruzados... Mas... Que é que a senhora leva aí no cesto? Um pato?
___ Não, senhor. Não é um... ___ procurou explicar dona Durvalina, com um sorriso sem graça.
___ Quem! ___ insistia a pata.
___ Não adianta mentir. É proibido viajar com animais. A senhora não leu na tabuleta?
Ouvindo a discussão, agora num tom de voz mais alto, os nove filhos de dona Durvalina pegaram as coisas que carregavam, levantaram-se do banco onde haviam se sentado e vieram para junto da mãe.
___ Mas eu tenho nove filhos e...
___ Abra o cesto, minha senhora, por favor. É a lei...
___ Não é pato ___ defendeu-se a mulher, já visivelmente nervosa.
___ Quem... quem...
___ Como não? A senhora acha que sou bobo? Ou surdo? Estou ouvindo o pato grasnar! Só vou vender-lhe as passagens se a senhora abrir este cesto ___ disse o homem resoluto.
___ Está bem, eu abro. Mas vamos fazer uma aposta: se eu tiver aqui dentro um pato, como o senhor está dizendo, dou-lhe de presente o bichinho e viajo com meus filhos dentro da lei. Mas... se não for pato, vou embarcar de graça, com as nove crianças, e ainda levo meu animalzinho de estimação...
___ Vou aceitar a aposta, só porque a senhora reconheceu que leva uma ave aí nesse cesto. E também porque vai ser fácil ganhar. Ora, se vai... Hoje vou comer pato assado no jantar!
___ Não conte vantagens antes da hora! O senhor pode estar enganado... Afirmo, pela última vez, que não tenho um pato dentro deste cesto!
A essa altura, a fila atrás de dona Durvalina já tinha aumentado. Porém ninguém reclamava da demora. Afinal, todos queriam ver como acabaria aquela história.
___ Não vamos discutir mais. O trem vai se atrasar. Vamos! Abra o cesto! ___ disse o homem, já impaciente.
___ Está bem. O senhor é que sabe. A aposta está de pé?
___ Sim, claro, claro.
Dona Durvalina abriu o cesto. A cabecinha de Dedé saltou imediatamente para fora.
___ Quem! Quem!
___ Olhe mãe ___ disse o menorzinho dos filhos ___, a Dedé botou um ovo!
___ Eu não disse ao senhor? Eu não tinha um pato aqui dentro... É uma pata! Ganhei a aposta! Ganhei a aposta! ___ gritava a mulher exibindo o ovo para toda a fila.
___ Paga! Paga! ___ falavam todos, em meio a gostosas gargalhadas.
Nada mais restava ao homem: deu os dez bilhetes de graça a dona Durvalina, enquanto ela, feliz e contente, fechava cesto, empurrando a cabeça de Dedé para dentro.
___ Quem! Quem!
(Versão de Suely Mendes Brazão, em "Contos de artimanhas e travessuras", p. 65-70)